Thursday, December 21, 2006

Crónica Natalícia


Em mutação ao som de: Silent Night
Era uma sensação fora do vulgar das emoções do seu dia a dia, no fim de contas não é todas os dias que nos podemos dar ao luxo de dormirmos numa “caixa” de madeira de nogueira envernizada à medida, forrada de cetim vermelho, mesmo assim, o Pai Natal sentia-se triste.
- Que chatice! - Pensava o Pai Natal quando olhava para o seu corpo rígido e frio, de mãos cruzadas, vestido com um fato de um vermelho mais vivo que o habitual de todos os dias, que ironia.
No velório, velhos amigos e colegas de trabalho espalhados pela sala principal da fábrica dos presentes. Duendes comovidos em função de carpideiras, algumas renas a falarem entre si discutindo o seu futuro nas cadeiras junto à porta, fora da sala, os reis magos a fumar um cigarro e a contar anedotas porcas...
- Boa noite rapazes. Desculpem lá a demora, a minha mãe tem estado adoentada e o meu padrasto chegou bêbado a casa outra vez, além disso apanhei trânsito e uma operação stop, foi uma carga de trabalhos para conseguir sair de Belém. – Disse o menino Jesus enquanto cumprimentava Baltazar e se dirigia em direcção à rena Rodolfo e à Mãe Natal para apresentar as condolências.
O Pai Natal observava agora ao lado do seu próprio corpo todo aquele peculiar evento.
- Isto está cheio de pessoal. Os duendes da fábrica; as renas; os reis magos, esses gajos já devem estar a contar anedotas de idas às putas e por ai fora, é sempre a mesma treta. O menino Jesus veio, como andará a Virgem Maria? Não sei como é que suporta aquele bêbado do São José, a última vez que o vi já não sabia dizer duas palavras seguidas, foi o Arcanjo Gabriel que o levou a casa, já não estava em condições de conduzir o burro. Má bebida!
Todos comentavam entre si, se o Pai Natal tinha deixado testamento, quem seria o herdeiro, afinal o Pai Natal era uma figura pública de renome internacional e de enorme peso na economia mundial. Publicidade, cinema, companhias de refrigerantes, música, e tantas outras coisas. O Pai Natal e a Mãe Natal não tinham filhos e já estavam divorciados há algum tempo. A relação entre os dois nunca mais tinha sido a mesma desde que o Pai Natal tinha sido involuntariamente envolvido num escândalo de pedofilia, algures num país governado por uma companhia de circo onde só havia palhaços, e em que a oposição era feita por homens pequeninos e inúteis, tipo duendes. O Pai Natal, foi confundido com um tipo que também tinha a mania de usar um casaco vermelho, e ainda esteve dois meses com termo de identidade e residência, até que se apurou o verdadeiro culpado. No entanto todo esse escândalo que abalou durante algum tempo a imagem e reputação do Pai Natal, foi a gota de água para o seu casamento. As constantes infidelidades do Pai Natal com algumas das suas duendes e uma ou outra rena, as constantes noitadas e bebedeiras há muito que andavam a desgastar a relação, o escândalo da pedofilia foi a gota de água. A Mãe Natal pediu o divórcio e refugiou-se nos braços da rena Rodolfo. Estavam a passar férias em Cuba, quando receberam a notícia da morte do Pai Natal.
- E agora como é que vai ser? Quem é que vai gerir isto? Isto sem mim vai ser uma anarquia! – pensava o Pai Natal -Um negócio destes, quem é que vai tomar conta disto? Se os duendes pegam nisto, depressa levam esta merda à ruína, acontece o mesmo que aconteceu ao negócio da Páscoa e ao Coelhinho desde que surgiram os gajos do Kinder Surpresa!
Existia um sentimento de incerteza no ar realmente, não era apenas o Pai Natal que se interrogava sobre o futuro. As renas questionavam-se sobre o seu futuro, estavam no desemprego. Teriam direito a alguma indemnização? Subsídio de desemprego? Que atitude tomaria o sindicato das renas em relação a esta situação? Os duendes, conspiravam entre si sobre a hipótese de tomarem posse de tudo e virarem a produção de brinquedos para a produção de “brinquedos para adultos” e enveredarem pelo mundo da indústria da pornografia. Os reis magos, também metidos no negócio, mas como forma de branqueamento do dinheiro obtido na venda de armas e ópio no oriente, já pensavam num valor de oferta para tomar posse do império do Pai Natal. A Mãe Natal, tendo sido lixada pelo Pai Natal no processo de divórcio através do advogado do Diabo, questionava-se sobre se existiria alguma hipótese de arrecadar alguma coisa agora – Aturei este filho de uma grande puta durante anos a fio! Parte disto também é meu porra! – dizia entre dentes à rena Rodolfo.


O menino Jesus comentava com o arcanjo Gabriel:
- Eu quero lá saber disto! Já não me basta a situação que tenho em casa, o meu Pai, sádico do caraças, desejoso de me ver pregado na cruz para expiar os pecados de uma data de filhos da puta que mal conheço; a minha mãe vitima de violência doméstica por parte da besta do meu padrasto São José, ainda por cima obrigam-me a trabalhar no dia dos meus anos, tenho mais de 2000 anos e ninguém me respeita, menino para aqui e para acolá, não achas que já tenho chatices suficientes que me fodam o sentido?
O Pai Natal começava a ficar arreliado. Passeando-se entre todos eles na forma de espírito, ouvia as conversas e lia os pensamentos de cada um. Umas vezes ria-se outras entristecia-se, outras pensava em mandá-los para a puta que os pariu e chamava-lhes cambada de gulosos e chupistas.
- Então e os ranhosos dos putos? Como é que vai ser este ano? – pensava o Pai Natal à medida que ia ficando incomodado com uma comichão na zona genital:
-Maldita micose! Quem me manda ir às renas e não usar protecção? Mas espera lá, eu estou morto não estou? Então por que razão é que tenho comichão? - Nesse preciso instante começou a ouvir uma voz a chamar por ele, uma voz longínqua, que se aproximava lentamente:
- Pai Nataaaaaaaaaaal.... Pai Nataaaaaaaaaaaal pst! Pai Nataaaaaaaaaaaaaaaaal hey! PAI NATAAAAAAAAL FODA-SE!
Sobressaltado acordou. Tudo tinha sido um sonho. Estava vivo, a micose era real.
- Tu não tens vergonha pois não? É sempre a mesma coisa, vais para os copos com os duendes até às tantas e depois chegas nesse bonito estado. Não tens vergonha na cara?
- Raios partam a rena! Deixa-me a cabeça em paz porra!
O Pai Natal virou-se para o outro lado e adormeceu...
Boas Festas.

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