Tuesday, August 7, 2007

De trás para a frente, de frente para trás....


Tabaqueando ao som de: Lou Reed -Vicious


Gostava que me pudesses "ver", talvez sentir um pouco mais do que sou, gostava que me ouvisses não em formas de "sim" ou "não" ou "talvez quem sabe", ou que me ignorasses por inteiro ao invés da expressão de dúvida quando te pergunto se entendeste o motivo das minhas acções...Gostava que me temesses , que a minha voz te assustasse, provoca-se em ti momentos de raiva, acessos de loucura, que gritasses, que me odiasses um pouco, que chorasses comigo sem medo, que me abraçasses quando sentisses que a minha cabeça nem sempre acompanha o seu corpo nem os seus actos, que sentisses o meu sorriso quando digo que te amo, que sentisses o meu sorriso de máscara quando não te amo, gostava que não gostasses de mim apenas por eu dizer que te amo, gostava que gostasses de mim por saber que nem sempre consigo amar-te , que nem sempre sei como o fazer, que nem sempre quero nem posso fazê-lo, gostava que por vezes me deixasses apenas sair mudo da cama e desaparecesse durante vários dias voltando apenas quando já não te lembrasses de mim para que dessa forma pudessemos aprender-nos um ao outro de novo...

Friday, February 23, 2007

Páginas em Branco - Pág.3




Um banco vazio, uma rua sem gente, um dia cinzento igual a tantos outros, um conjunto de sombras sem dono e numa esquina suja dois cães a rosnarem um ao outro por um pedaço de lixo...
Hoje é o aniversário da tua morte. Por qualquer motivo que me é alheio não consigo sentir o que quer que seja. Não sinto saudade, não sinto pena, não sinto raiva nem alívio, sinto indiferença. Lembrei-me apenas porque me cruzei com o teu marido na rua e entre parcas palavras, ele disse que fazia hoje um ano que tinhas morrido. Acenei que sim com a cabeça como se me lembrasse perfeitamente da data mas creio que os meus olhos desinteressados não me souberam encobrir, ou então sou que ando a ver coisas onde não as há, e a forma fria como o teu marido se despediu de mim e me virou costas seja apenas fruto da minha imaginação...
Não tenho trocos para o tabaco, e acabo por ter de comprar um jornal que sei que não vou ler apenas para não me atazanarem o juízo porque pago um maço de tabaco com uma nota de 20 euros. Compro um jornal qualquer local e leio a primeira página enquanto espero por um café duplo e uma torrada, desisto do jornal ao fim da primeira dentada numa torrada queimada e fria. Não tenho paciência para reclamar com o empregado, pago e deixo uma gorjeta de 2 cêntimos. Saio com um bom dia escarrado e um sorriso camuflado de indignação latejante. Que vontade que tive de o mandar levar no cu...
A caminho do carro lembrei-me de ti, lembrei-me de ti no dia em que morreste. Tinhas passado toda a manhã comigo a ajudar-me a comprar um fato para uma entrevista de trabalho que tinha num banco, não cheguei a ir à entrevista, mas fiz questão de levar o fato vestido no dia do teu enterro. Almoçámos no restaurante da Olga e falámos de ti e do Matias, ou melhor, tu falaste do Matias, eu simplesmente limitei-me a olhar para o teu decote e a pensar em todas as vezes que já tínhamos ido para a cama os dois. Antes de conheceres o Matias, depois de conheceres o Matias, depois de casares com o Matias, quando o Matias esteve no hospital depois de ser operado ao coração...Queria acabar com a conversa de “chacha” e saber se íamos para a cama ou não. Não me interessava que andasses preocupada com a saúde do teu marido, nem que os teus filhos andassem mal na escola, nem que a tua sogra fosse uma jóia de pessoa se já estivesse morta, nada disso me interessava, queria saber apenas se havia sexo ou não, nada de amor e carinho, apenas sexo. Nunca tive paciência para palavras meigas e carinhos, coisas românticas e bonitas, sexo e chega. Uma necessidade de carácter fisiológico que se sobrepõe a essas tretas todas, apêndices desnecessários que apenas geram mal entendidos e complicações pós coito. Mas não te perguntei nada, deixei-te falar durante todo o almoço, durante a sobremesa e durante o café. Acendi-te inclusive um cigarro para não te atrapalhares e perderes o fio à meada, o raciocínio correcto da tua história. Falaste, falaste, falaste, falaste, eu não ouvi, fingi que ouvi acenei educadamente com a cabeça, soltei os “hum hum” , os “pois”, os “sim,” os “pois é”, mirei-te o decote vezes sem fim e fumei 3 cigarros enquanto tu fumaste um durante o café...
A passo lento passei por uma florista e pensei em comprar-te uma flor e talvez ir ao cemitério, à tua campa, mas senti-me um idiota hipócrita e incoerente. O que ia lá fazer? Para que te levaria eu uma flor à tua campa? Nunca te ofereci flores quando eras viva ia oferece-las agora que estás morta? Mas que ideia tão estúpida a minha realmente. Que coisa tão parva...
Quando saímos do restaurante seguimos no teu carro até à zona centro da cidade. Deixaste-me ao pé do meu carro, deste-me um beijo no rosto e foste embora. Confesso a frustração que senti e fiquei realmente chateado por ter perdido tanto tempo a ouvir-te, e no fim de contas fiquei agarrado à vontade... Olha-me esta cabra, disse entre dentes quando meti as chaves no meu carro e vi o teu carro a afastar-se, a ficar cada vez mais pequeno e mais pequeno e mais pequeno, tão pequeno como algumas horas mais tarde realmente foi ao embater de frente com um camião, ficando feito num amontoado de ferros irreconhecível, o teu corpo esmagado, destroçado...
Os teus filhos que idade terão? Sinceramente não me lembro, o mais pequeno tinha 8 ou 10 anos e o mais velho 12 ou 14. Sei que tem dois anos de diferença entre eles, mas a idade não me lembro. Enfim. Há uma coisa que sempre estranhei quando falavas do mais velho, o Marco. Sempre que falavas dele e me mostravas fotos dele, ou quando aparecias com ele sempre me olhavas de forma diferente, olhavas para o miúdo e depois olhavas para mim, olhavas para mim e depois para o miúdo, e essa coisa sempre me fez confusão. Cheguei a pensar em perguntar-te se o rapaz era meu filho, a forma como nos olhavas, e realmente o puto até tinha algumas semelhanças comigo, mas creio que isso fosse normal, afinal o Matias é filho da irmã da minha mãe o que faz dele meu primo direito, e o que podia explicar algumas das parecenças, digo eu. Mas nunca te perguntei nada, e tu nunca nada me disseste. Sinceramente, se o gaiato é meu, ainda bem que nunca me disseste nada, já que o mais provável seria que eu não o reconhecesse como tal. Nunca seria um bom pai, não lhe saberia dar o que um miúdo precisa, ou melhor sei lá eu o que um miúdo precisa! Seria um estorvo para mim, e eu, uma má influencia para o rapaz. Está melhor assim com o Matias. Ele que o ature...
Foi o Matias que me avisou da tua morte. Telefonou-me ao cair da noite e contou-me que tinhas perdido o controle do carro e te tinhas enfaixado de frente num camião que vinha no sentido oposto ao teu. Lembrei-me de te ver a afastar no teu carro cada vez mais pequena, e mais pequena e mais pequena, tal como é o que sobra de ti em mim, cada vez mais pequeno e mais pequeno...

Thursday, January 25, 2007

Páginas em Branco - Pág.2


Foto de: Luís Coutinho
Tabaqueando ao som de: Where is my mind? - Pixies

O seu olhar era triste e vazio...
No fundo do copo apenas restava uma voz tremida e confusa, abraçada ao hálito a álcool rasca e ao tabaco de enrolar, nas suas mãos de unhas negras alguns restos de sangue seco de há vários dias...
Tropeçou na sua própria sombra e caiu à saída de uma taberna a cheirar a velho e a mijo, estatelou-se ao comprido e deixou-se adormecer de barriga para cima a olhar o mundo a andar à sua volta, cada vez mais rápido, cada vez mais rápido, cada vez mais rápido, voltou a cabeça para ao lado e vomitou... ficou inconsciente...
Acordou num quarto de paredes salpicadas de negro da humidade, com um crucifixo torto por cima da cama de ferro, demasiado pequena para o seu metro e noventa de altura e 140 kilos de peso. Na cómoda uma garrafa de bagaço semi vazia e uma navalha com sangue seco...
Não se recordava como tinha chegado ali, realmente era o seu quarto, um quarto miserável numa pensão miserável para tipos miseráveis como ele próprio. Apenas se lembrava de ver Matilde...a chorar...
Não tinha memória do seu dia, apenas retalhos de tempo entre copos de vinho tinto a martelo e de bagaceiras venenosas... o seu dia era um sem fim de lacunas, uma história sem princípio meio e fim, apenas momentos...